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A loucura de Jaipur

INDIA | Wednesday, 22 October 2008 | Views [2410] | Comments [1]

Tati e Karina com Rafi, nosso motorista de tuc-tuc

Tati e Karina com Rafi, nosso motorista de tuc-tuc

Acordamos tarde, mas prontas pra explorar Jaipur.

Jaipur, no estado do Rajastão, é conhecida como “pink city, ou a “cidade cor-de-rosa” porque, por ocasião de uma visita da realeza de Whales à Índia, o forte e o palácio da cidade foram pintados em com âmbar. Mas a verdade é que, hoje em dia nada lembra uma cidade cor-de-rosa em Jaipur.

O primeiro lugar que pretendemos conhecer na cidade é um dos bazares locais, e com essa intenção caminhamos em direção à rua.

Logo à saída do hotel somos abordadas por Rafi, um indiano falante e sorridente que nos oferece seus serviços de “taxi”, embora o que ele tenha não seja exatamente um carro – e sim uma espécie de “moto-carruagem”, aqui chamada de "rickshaw" ou "tuc-tuc". Com uma certa dificuldade em tirar os olhos da rala cabeleira de Rafi, que reluzia em tons avermelhados pelo uso excessivo de henna, acabamos combinando que por 250 rúpias (algo como 5 dólares norte-americanos) ele ficaria à nossa disposição por 3 ou 4 horas.

“Rafi, queremos ir ao Bazar Johari, que de acordo com nosso mapa fica bem próximo daqui”.

Uma coisa sobre os indianos em geral é que eles falam um inglês, digamos, bem particular, que só eles entendem. E nunca entendem o que a gente fala. Acho que isso me faria sentir um pouco incapaz, não fosse o fato de norte-americanos, australianos e britânicos tampouco os entenderem. Ou serem entendidos por ele. Enfim, feitos esses esclarecimentos... Rafi retruca com seu indi-inglês algo que não compreendemos muito bem e em pouco tempo estamos ziguezagueando no trânsito caótico de Jaipur.

Acredite, o trânsito indiano é algo que você não pode sequer imaginar a menos que vivencie. Vou tentar transmitir uma idéia do que seja: imagine ruas largas e empoeiradas, extremamente poluídas. Agora adicione caminhões coloridos e caindo aos pedaços – todos eles com a frase “HONK OK PLEASE” (“Por favor, ok, buzine”) escrita na traseira. Inclua ainda na via dezenas de motocas (eu poderia chamá-las motocicletas, mas acho que não é o caso), algumas com até cinco pessoas, cycle-rickshaws (carruagens de tração humana, ou melhor, puxadas por um indiano pedalando uma bicicleta), dúzias de auto-rickshaws (como a nossa), carros, ônibus superlotados com pessoas penduradas na portas, pedaços de carros que andam, carros-de-boi, carros-de-camelo (sim, carroças de madeira puxadas por camelos), pedestres que circulam em todos os lugares exceto nas calçadas, guardas de trânsito sobre caixas de madeira no meio da via e vacas circulando entre todos os anteriores. Em silêncio isso já seria uma visão do inferno, mas na vida real a sonoplastia desse cenário consiste em uma sinfonia incessante de buzinas desafinadas e escapamentos furados. Uma visão e audição do inferno.

Apesar de todo o caos, a verdade é que estou adorando! Tudo é tão diferente de tudo o que já vi na vida que é impossível não ficar fascinada! As meninas também parecem estar gostando muito e nós três não conseguimos para de rir. Apontamos para tudo, tudo nos parece um grande e delicioso absurdo.

E nesse paraíso que seguimos até Rafi desviar e o cenário ir mudando. De ruas poluídas engarrafadas passamos a circular por não menos caóticos caminhos menos comerciais e ainda mais sujos. Aumenta também a variedade de animais soltos pelas vias: os camelos e vacas têm agora a companhia de muitos porcos, galinhas, cabras e bodes. As casas são precárias e pode-se perceber a completa ausência de noções higiênicas. Crianças pequenas e sujinhas brincam entre os animais, até vemos uma fazendo cocô agachadinha em plena rua – que nos sorri e dá tchauzinho. Uma visão chocante e ao mesmo tempo interessante, pois as pessoas parecem felizes. Algo assim... incompreensível, até mesmo para pessoas vindas de uma país cheio de contrastes como o Brasil.

Do caos absoluto entramos em uma espécie de páteo tranqüilo e Rafi pára diante de uma construção que parece um castelo. Na placa se lê “Gatore Ki Chattria”, é um local para visitação. Pagamos entrada – para nós e para nossas câmeras fotográficas. Aqui na Índia você tem que pagar entrada pra sua câmera se quiser fotografar determinados lugares.

Diante do argumento de um rapaz, que dizia que não entenderíamos nada do que visitássemos sem explicações especializadas, aceitamos os serviços de um guia local. A verdade é que não conseguimos entender nem 10% do indo-inglês macarrônico do guia, de modo que continuamos sem entender nada do que visitamos. Pescamos, por cima, que a construção serve de túmulo de uns caras da realeza, um deles um sujeito que tinha 3 esposas e 22 filhos com elas, além de 36 namoradas “por fora” e cento e tantos outros filhos com essas. Um cara bem animado e disposto, eu diria. Um entre os cento e tantos dos seus filhos morreu aos 18 anos, solteiro, de febre amarela.

À saída, após nosso guia “bilíngüe” ter demonstrado pouca satisfação com o valor que decidimos lhe pagar pelos 20 minutos de “relevantes serviços prestados”, voltamos a nosso “taxi”.

“Rafi, obrigada. Agora queremos ir para o Bazar”.

Mas... mais uma vez Rafi nos leva para um lugar diferente de onde pedimos pra ir, dessa vez para o Jal Mahal, conhecido como Palácio das Águas por estar situado no meio de um lago. É um passeio interessante, o lugar é bonito. Mas a atração mesmo são as três forasteiras. Uma das famílias indianas que visita o local pede para que tiremos uma foto com eles. Outros vêem que aceitamos com simpatia e pedem também.

Certo, eu não diria que conseguiríamos nos passar por indianas com muita facilidade, mas daí a virar atração turística já é outra história! Seja como for, tudo é festa e tiramos fotos com todo mundo na maior alegria. Nós estamos nos divertindo, claro, pois quando você não entende nada o melhor é achar engraçado e se divertir! Só fico imaginando o que essas pessoas fazem com esse tipo de foto... será que algum dia vou me deparar com minha imagem na internet? Em que contexto? Descrita como a namorada de alguém, mãe de alguém, amiga de um desconhecido? Melhor nem pensar...

Seguimos nosso tour e Ravi, o motorista super simpático, alega que o Bazar é um local para turistas, produtos de péssima qualidade e preços altos, enfim, tudo aquilo que não queremos quando visitamos um país estrangeiro e do que, de uma forma ou de outra, não conseguimos fugir. Diz que conhece as fábricas de tecidos, preço baratinho, sem atravessadores. Nos mostra um caderninho com comentários de outros turistas, os quais diziam algo do tipo “puxa, usei os serviços de Rafi e tive um dia fantástico, fui a lugares maravilhosos e, depois de tudo, Rafi ainda me apresentou a seu guru, que é uma pessoa super iluminada e acertou tudo sobre minha vida! Obrigada, Rafi, jamais vou te esquecer”.

Parecia propaganda de canal de vendas, onde há depoimentos de pessoas que alegam ter tido sua vida completamente mudada ao começar a usar a meia-calça que não rasga nem com prego, ou o creme emagrecedor que dispensa dietas e exercícios.

Bom, se tem uma coisa que eu aprendi nos últimos quatro meses é que taxista não se salva em nenhuma parte do mundo. Devo estar sendo injusta com um punhado de bons profissionais, eu sei, mas não existe nada que turistas e viajantes reclamem mais do que taxistas. Eu não tenho usado muitos taxis durante minhas andanças, mas nas poucas vezes que tive que fazê-lo - no Marrocos e Turquia, apenas – a experiência foi estressante. E confesso que na Jordânia eu só não parti para a ignorância porque sou muuuuito da paz e, além de tudo, uma pessoa muito, muito paciente.

Enfim, Rafi desfia mil elogios ao seu iluminado guru e diz que quer nos levar para conhecê-lo. “Certo, Rafi, quanto vai nos custar essa visita ao guru??”. Rafi se faz de ofendido e diz que seu guru não cobra nada, imagine!!!! Afinal, ele é um guru e seu objetivo na vida é ajudar as outras pessoas na busca da felicidade! “Sendo assim, Rafi, podemos conhecer seu guru, mas não agora. Queremos conhecer o Bazar”.

E lá vamos nós com Rafi, que estaciona... em frente a um fábrica de tecidos!!?! Uuugh, qual é o problema com esse sujeito???

“Venham, é pra vocês conhecerem como é o processo de tingimento dos tecidos, nada mais! Não é pra vocês comprarem nada”. E lá vamos nós... De fato, é interessante ver como eles fazem as estampas no tecido. Eu sempre fiquei imaginando qual seria o motivo de várias cangas de praia indianas terem as cores das estampas saindo pra fora das linhas de uma maneira tão uniforme, como se o desenho fosse resultar completo e perfeito se o colorido estivesse um pouco puxado pra esquerda ou pra direita. Sempre achei que seria um desajuste em alguma máquina de imprimir estampas, mas não era nada disso. Agora entendi: tudo funciona com carimbos!!! Uma pessoa passa o dia inteiro carimbando um tecido, primeiro com as linhas do desenho. Depois posiciona um segundo carimbo com uma cor para colorir uma parte do desenho, um terceiro com outra cor pra preencher outra parte e assim vai. Se um dos carimbos de preenchimento do desenho fica mal posicionado, acontece aquele efeito maluco que eu descrevi inicialmente. É tudo manual, super manual! Vá lá, olhe sua canga indiana e repare!

Mas... como seria quase impossível que um taxista estivesse nos levando a um lugar só pra aprender sobre costumes, cultura ou processo criativoe industrial local, logo depois de conhecermos os segredos indianos da estamparia de tecidos somos levadas a uma outra salinha, esta cheia de tecidos, roupas, colchas, capas de almofadas, cachecóis...

Tudo é muito bonito, sem dúvida, mas meu estilo de viagem não me permite compras. Primeiro, porque tudo o que eu compro tenho que carregar. Além disso, compras de natureza supérflua não estão no orçamento. Antes de começar a viagem eu fiz toda uma preparação psicológica para “praticar o desapego” e conseguir sobreviver com apenas o que estivesse dentro da minha mochila, e nada mais, por um ano. O resultado é que estou me saindo muito bem!!! Quem me viu, quem me vê... acho que nem minhas amigas estão acreditando.

Eu preciso, de fato, comprar umas roupinhas. Antes de chegar à Índia fui deixando pra trás tudo o que não me serviria aqui: roupa de frio, jeans, vestidos de praia, saias curtas... apenas me sobrou uma calça de caminhada, um shorts de caminhada (que não pretendo usar na Índia, seria um desrespeito à cultura local), uma saia até o joelho e algumas camisetas. Algumas já furadinhas de tanto lavar e outras manchadinhas pelas lavagens - realmente acho que esqueci de passar na fila de prendas domésticas antes de nascer. Preciso mesmo comprar alguma coisa pra vestir, até mesmo porque (e minha mãe vai ter um treco quando ler isso!) já levo três dias usando a mesma saia. Mas não vai ser aqui...

As meninas estão enlouquecidas. Parece que compram presentes até pra desconhecidos, tão sério é o surto que as acomete. Seus olhinhos brilham – e os do vendedor brilham ainda mais com essas garotas embirutadas circulando pela loja. Logo paro de ser adulada – acho que o vendedor percebeu que eu não quero nada além de uma bolsinha de pano, a qual uso para substituir minha mochila de andar por aí durante todo o dia, que rasgou e eu não consegui consertar. Gasto o equivalente a 4 dólares – meu orçamento comporta esse “luxo”.

Saímos da loja esgotadas, apesar de ainda ser cedo. Rafi ainda quer nos levar ao seu guru, mas dizemos que fica para o dia seguinte. O motorista se mostra muito decepcionado com a nossa negativa mas, como dessa vez pusemos caras de garotas muito más ele não ousa nos contrariar.

Não posso negar que durante todo o dia, mesmo nos momentos mais esquisitos e diante de todos os truques de Rafi pra desviar do lugar onde queríamos ir, nos divertimos muito. Na verdade, não conseguimos parar de rir por mais de cinco minutos consecutivos desde que saímos do hotel.

Assim, encaramos com muito bom humor mais essa roubada coletiva. Isso é só o começo...

Tags: jaipur india taxi

Comments

1

LEGAL...
MUITO LEGAL CONHECER AS CARACTERISTICAS DE CADA PAIS...

  JOSE MARCIO Jul 13, 2010 11:39 AM

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