Quem me conhece sabe que eu adoro cães.
Cães de raça, cães desclassificados, cães charmosos, feiosos, limpos, sujinhos... nada me derrete mais que olhinhos caninos!
Pois ontem me aconteceu algo estranho.
Eu passeava pela área portuária de Rhodes, parando com freqüência para fotografar. Caía a tarde e eu levava junto meu tripé para fazer umas fotos do lugar à noite. Foi então que... percebo aquela bolinha preta saltitando à minha volta, parando quando eu paro, andando á minha frente, a meu lado, atrás, mas nunca se distanciando muito.
Aliás, essa é a parte estranha: eu nem havia brincado com ela, feito festinha, carinho, coceguinhas – nada! – e a bichinha me seguia sem parar.
Com essa companhia tão agradável e inesperada não consigo resistir e passo a conversar com ela. Grande equívoco, pois é então que ela me adota completamente! Me segue por horas e as pessoas pensam que é meu cão!
Saudades da minha Nana...
Bom, com essa intimidade toda eu tenho que dar um nome a ela: Pretinha! Estranhamente ela responde ao nome e atende aos meus comandos em português, apesar de ser grega. Vai entender...
Algum tempo depois, paro à beira de uma plataforma, ajeito o tripé e dou falta da Pretinha. “Hummm... ela estava aqui há poucos segundos... bom, ok, deve ter cansado de me seguir. Mas... que barulho esquisito é esse? Ah, não deve ser nada. Minha imaginação.”
Mas... Não, não é minha imaginação. A gente se distrai um segundo e olha só o que acontece!!!!!
Não sei se por acidente ou propositalmente (ela é uma cadelinha bem agitada), mas quando eu vejo Pretinha está no mar, nadando! Imagine Pretinha bem preta, naquele escurão, dentro da água... quase não se via!!!! Ooops, mas parece que ela não consegue sair da água! Ai, ai, ai, será que eu vou ter que me jogar no mar de roupa e tudo às 10:30 da noite pra resgatar meu cão que nem é meu????
Com sorte, depois de algum esforço ela consegue sair da água e eu me livro de resgatá-la.
Resolvo voltar pra casa – e ela me segue pela cidade toda até lá. Eu sento no restaurante em frente à pousada e ela senta aos meus pés por um tempo, depois se joga no meu colo. Vai ficando tarde e preciso dormir, pois no dia seguinte preciso levantar cedo pra pegar o barco pra Turquia.
O dono da minha pousada (e também do restaurante) se compadece com a simpatia da cadelinha e me promete que se ela ficar por lá ele vai cuidar dela. Eu subo pro meu quarto, ela vem atrás e eu me despeço, fechando a porta. Difícil despedida, ela já me conquistou inteiramente!
No dia seguinte cedinho eu abro a porta do quarto e... ali está Pretinha pulando feito louca como quem diz “até que enfim você saiu daí, estava te esperando, vamos passear por aí, pô!” Fico feliz em vê-la novamente, e ao mesmo tempo triste porque sei que ela me seguirá até o porto e não saberá jamais voltar pra pousada, onde o grego cuidaria dela.
Eu nem me importei de limpar o cocô que ela fez à noite no corredor enquanto me esperava do lado de fora do quarto – afinal, embora ela não seja meu cão é como se fosse.
Então lá vou eu pro porto, com a Pretinha ao lado. Passo pelo controle de passaporte – com Pretinha junto. Sento pra esperar o horário do barco – e Pretinha senta junto, ao meu lado. Quando dá o horário de entrar no barco... lá vem Pretinha junto.
Mas Pretinha não pode entrar no barco. Eu entro e ela fica ali fora, em frente à porta, chorando. Os passageiros e a tripulação riem, desacreditados. Eu sofro, sinto meu coração partindo.
Como são difíceis as despedidas... Durante a viagem encontro pessoas incríveis com quem vivo momentos fantásticos e sempre me despeço com alguma tristeza. Sei que provavelmente não voltarei a ver aquelas pessoas que, por um momento, pareciam fazer parte da minha família. Mas assim é a vida.
Saio do barco uma vez para acalmar Pretinha (ou seria pra me acalmar?) mas o momento chega e eu tenho que entrar. Pretinha fica ali, sentada, imóvel, vendo o barco partir.
Do lado de dentro do barco estou imóvel, olhando com meu coração partido aquela cadelinha que me esperava sem nem entender o por que, e que agora deve estar sofrendo tanto quanto eu.
Mas assim é a vida, e nós duas vamos sobreviver.