Fomos embora de Rishkesh para Varanasi no domingo de noite, dia 13.01. O taxi nos deixou na estação de trem de Haridwar.
Se você é do tipo que enquanto lê vai visualizando a historia e está imaginando alguma estação de trem dos EUA ou Europa ESQUEÇA.
Imagine a estação de metro da praça da sé.
Nao.
Imagine a estação da luz.
Nao.
Imagine a rodoviária do Tietê.
Nao.
Imagine o vale do anhangabau.
Não. Ainda não é bem isso.
Ta difícil descrever. De alguma forma é um pouco disso tudo junto. Pena que nao fotografei. O prédio é velho como quase tudo na India, mal iluminado e claro... abarrotado de indianos como quase todos os lugares da India. Mas os indianos nao estão só andando por todos os lados, estão também deitados e dormindo por todos os lados. Parece albergue de tanta gente coberta deitada pelo chão.
E o trem? Hahahahaha. Ah o trem.
O primeiro trem indiano a gente nunca esquece.
Claro que é muito velho, algo da época da bisavó da finada rainha-mãe da Inglaterra. Escuro e… não muito limpo. Impossível embarcar nesse trem sem lenço umedecido e alcool gel na mochila.
Não existe bagageiro (ainda bem pq eu não ia querer entregar minha mala nem a pau) então cada um coloca suas malas debaixo da cama, se couber, ou onde conseguir e que se entenda com o seu vizinho para isso.
O mais divertido é que o idioma deles e o nosso tem aproximadamente 0% de similaridade. E embora eu tenha a impressão de que aqui vc encontra muito mais gente que fale alguma coisa de inglês do que no Brasil, ainda assim são poucos os que falam e entendem oq vc responde. Então negociar o espaço da bagagem vira uma comedia. Se você nao estiver com a mente e o coração abertos, como é necessário em quase todos os momentos aqui na India, pode virar um pesadelo.
Malas ajeitadas e acorrentas, isso mesmo, acorrentadas. Todo mundo fala que o risco de você acordar sem a sua bagagem é muito grande então todo mundo, indianos inclusive, acorrenta as malas no pé do banco. A vivi dormiu na cama de baixo, a Maurien na do meio e eu na de cima onde não consigo sentar sem bater a cabeça, mas como entramos no trem e já era quase meia noite, a idéia era deitar e dormir mesmo.
E sim, é um triliche, ou melhor, são 2 triliches e mais um beliche num espaço de 1,5mx3m. OITO pessoas dormindo nesse espaço todo.
Nos acomodamos da melhor forma possível pois seriam 15horas de viagem. Na minha cama coloquei minha mochila, um travesseiro de viagem, um pacote de doritos, uma garrafa de água e meu ipad pra assistir “How I met your mother” até conseguir pegar no sono.
Quando finalmente consegui dormir fui acordado para mostrar a passagem.
Ok. Dormi de novo.
Acordei de novo, só que agora era de frio.
Pois é, quase não consegui dormir de frio. Já estava com uma blusa grossa por cima da camiseta, coloquei mais um casaco, gorro, luvas, cachecol e me cobri com meu cobertor. Melhorou um pouco mas meu pé continuou congelado.
O trem para em várias estações durante a madrugada e tem sempre alguém entrando ou saindo. Logo cedo já começa uma gritaria dos vendedores de “Chai”, chá com leite. Aí esquece porque você não vai dormir mais. O Jeito é assistir algum seriado, ler um livro ou sei lá oque até que todos da sua “cabine” acordem para você poder montar o banco e sentar lá embaixo.
Eu escrevo “cabine”entre aspas pq não é bem uma cabine, não é fechado, é completamente aberto para o corredor do trem.
Para dormir funciona assim, durante o dia você e mais 2 pessoas viajam sentados de frente para mais 3 pessoas. Quando chega a hora de dormir, o encosto do banco vira a cama do meio. O banco onde você estava sentado é a cama debaixo e tem uma cama de cima que fica montada o tempo todo. Se você estiver viajando sozinho o melhor lugar acho que é o de cima pq lá vc pode deitar o quanto vc quiser, na verdade acho que o melhor mesmo é você fazer amigos para viajar com você pq ninguém merece passar por isso sozinho. Quem viaja no banco debaixo e no do meio tem que entrar em acordo um com o outro pq o do meio não consegue montar a cama enquanto o de baixo não resolver deitar e o de baixo não tem a cama só para ele enquanto o do meio não resolve subir. Fácil né.
Todo mundo acordou, montamos os bancos e sentamos de frente para os nossos vizinhos de "cabine". Fiquei lendo um pouco, quando cansei peguei meu ipad e fiquei jogando. Senti que estava sendo observado, pelo reflexo no ipad eu vi que o filho do casal estava se divertindo só de me assistir. Ele sentou na minha frente e continuou olhando, de repente começou a dar palpite no jogo, hahahahaha. Virei o ipad pra ele e deixei ele jogar. O pai e a mãe logo se interessaram e ficaram prestando atenção para palpitar também. Os nossos vizinhos eram uma família de indianos bastante simpática. Tivemos muita sorte com eles que até tentaram contar para gente algo que sabiam sobre o brasil: Pelé, samba e Roberto Carlos (não o cantor, o jogador). rsrsrs
Com o horário de chegada se aproximando surge um momento de tensão. Não dá pra saber onde você está nem aonde você tem que descer. As estações são mal sinalizadas e o trem atrasa muito geralmente, então você não pode descer na estação simplesmente pq está no horário previsto para a sua chegada ao seu destino.OLHA COMO É FÁCIL ANDAR DE TREM NA INDIA.
Nesse momento fiquei de pé na porta do trem olhando para ver se algo no caminho indicava Varanasi. Nada.
Nossos vizinhos estavam indo para o ponto final do trem, bem mais fácil, e não sabiam se estávamos próximos de Varanasi. Tentei perguntar para algumas pessoas na porta mas elas não entendiam minha pergunta e claro que eu não entendia a resposta.
Finalmente apareceu um rapazinho do meu lado com calça Gucci e óculos VR e mais algumas marcas conhecidas. "Esse deve falar algum coisa de inglês com tanto ocidente assim no corpo" pensei eu. Dito e feito. Pra facilitar as coisas eu olhei pra cara dele e disse:
-Varanasi? (junto com a pergunta usei o sinal universal para a palavra AQUI - apontei para o chão)
Me senti um índio tentando me comunicar sem usar verbo nem nada. Ele olhou pra mim e disse em inglês:
-Já estamos em Varanasi mas falta uns 5 minutos para a estação.
PAH, na minha cara! hehehehe
Avistei a estação. Começamos a nos preparar para saltar, nós 4 e nossas 14 malas/mochilas/bolsas/sacolas/derivados.
O indianinho devolveu meu iPad, agradeceu e perguntou se eu tinha Facebook. Olha o poder dessa rede hein! hahahahaha
Saltamos e logo o TREM DO HORROR se foi mas a lembrança dessa noite vai ficar.
Só pra ter uma base, essa passagem vagão com cama para uma viagem de 14horas custou uns R$13,00. Nao da nem pra reclamar de tão barato que é.