Talvez deva começar por dizer que gosto de viajar e conhecer novos mundos, mas que sempre tive reticências quanto à Índia. É certo que me despertava curiosidade e adivinhava que havia sítios de cortar a respiração. Afinal, é um “subcontinente”! Mas as imagens passadas pela televisão, filmes e histórias de outros viajantes deixavam-me “sufocada”: para alguém, como eu, que preza o “espaço próprio” como o ar que respira, tantas pessoas e tanta agitação eram simplesmente demasiado.
Esta era a oportunidade perfeita: fazer voluntariado, pondo à disposição de quem precisa as competências de trabalho adquiridas ao longo de mais de 10 anos, enquanto me procuro no meio de tanta gente.
E lá respirei fundo e rumei, qual Vasco da Gama, destemida e esperançada, para esse mundo novo.
Para mal dos meus pecados, há um estereótipo que se confirma: tudo é picante! Muito! O meu pobre paladar, que até da banal pimenta prefere manter distância, tem “passado as passas do algarve”. (E, para piorar, a compensação é feita à base de arroz e das várias espécies de “pão” que há para estes lados - perceber a diferença entre Naan, Roti e Chapati foi um desafio!)
Surpreendentemente, ao contrário do esperado, o trânsito não é assim tão caótico! Não me interpretem mal: é caótico. Onde devia haver uma fila de trânsito, há duas ou três (no mesmo sentido); percebem mais de tangentes que muitos laureados em matemática!; se for mais conveniente, vai-se em contramão; as estradas têm carros, motas, tuk tuks, pessoas, animais, etc e tal; e o não-buzinar aplica-se… nunca (se vires um carro, apita; se vires uma mota, apita; se vires uma pessoa, apita; se vires uma cabra, apita… percebem a ideia...). Para culminar tudo isto… os britânicos puseram-nos a conduzir no lado errado da estrada!!! Mas, sim, mantenho: não é tão caótico quanto imaginava. Talvez depois de ver o trânsito Luandense e de outras paragens africanas esteja mais “vacinada”. E também imagino, e têm-me dito, que Deli, Bombaim e Bangalore correspondem às expectativas de absoluto caos. Suponho que o truque seja evitar, se não de todo, pelo menos começar por essas cidades…
“O espaço pessoal é uma jóia rara”. Quem o disse foi o Mo, o simpático indiano, que nos veio dar uma interessante e útil palestra em “interculturalidades”. “Vão ficar especados a olhar para vocês: são estrangeiros, diferentes e mulheres”, avisou ele. “Vão fazer-vos perguntas pessoais, como “és casada?” ou “tens filhos?”: é uma sociedade baseada na relação, e não perguntar é falta de educação; além disso, as mulheres aqui casam e têm filhos cedo.”, continuou. “Vão tocar, chegar perto, …” - sociedade “relacional” + muita gente.
Curiosamente, não me tenho sentido “invadida”... Mais uma vez, estou numa cidade grande, mas não demasiado. E estou numa zona residencial pacata. Tenho também conseguido conciliar bem o “tempo comigo própria”, com tudo o resto: os grandes coadjuvantes são 1) o quarto só para mim, com varanda sobre um pacato terraço/jardim de outra casa nas traseiras; 2) a simpática e respeitosa-do-espaço-alheio companheira de apartamento; 3) as “escapadelas” de fim-de-semana; 4) todo o grupo e as diferentes atividades que vamos fazendo; e, por último, mas não de somenos importância, 5) as extraordinárias pessoas da organização que vim apoiar.
E, assim, a Índia surpreendeu.
Maybe I should start by saying that I love to travel and get to know new worlds, but I've always had second thoughts as far as India is concerned. Sure, it stirred my curiosity and I imagined there were breathtaking places. After all, it is a "subcontinent"! But the mental images I had from television, movies and stories from other travelers left me "suffocated": for someone like myself, who cherishes "personal space" as the air you breathe, so many people and so much agitation were simply too much.
This was the perfect opportunity: volunteering, putting my job skills - acquired over more than 10 years - at the disposal of those who need it, while looking for me amongst so many people.
And so, I took a deep breath and I headed - like Vasco da Gama - fearless and hopeful towards this new world.
Unfortunately for me there is a stereotype that holds true: everything is spicy! Too much! My poor palate, that prefers to keep distance even from plain pepper, has been suffering. (And, to make things worse, I compensate with rice and several types of "bread" that there exist around here – getting to know the difference between Naan, Roti and Chapati was a real challenge!)
Surprisingly, contrary to expectations, traffic is not as chaotic as I expected! Don't get me wrong: it is chaotic. Where there should be a queue of traffic, there are two or three (in the same direction); they know more about tangents than many laureates in mathematics!; If it is more convenient, people drive towards oncoming traffic; the roads have cars, motorcycles, tuk tuks, people, animals, etc.; and the no-honking applies... ever – if you see a car, beep; if you see a motorcycle, beep; if you see someone, beep; if you see a goat, beep... you get the point...). To top all this off... the Brits got them driving on the wrong side of the road! But, yes, I stand by it: it is not as chaotic as expected. Maybe after seeing Luanda’s and other African place’s traffic I’m "vaccinated". And I also imagine, and I've been told, that Delhi, Mumbai and Bangalore meet the expectations of absolute chaos. I suppose the trick is to avoid, if not completely, at least to start with those cities.
"Personal space is a rare commodity". Mo said it – a very nice, empathetic Indian, who came to talk to us about the interesting and useful topic of cross-cultural aspects to be mindful of. "They're going stare at you: you are foreigners, and women," he said. "They’ll ask personal questions such as "are you married?" or "do you have children?": this is a relationship-based society, and not to ask is rude; In addition, women marry and have children early in their lives.", he continued. "They'll touch you, get close, ..." - relationship-based society + a lot of people.
Interestingly, I haven't been feeling "invaded" ... Once again, I'm in a big – but not too much – city. And I'm in a quiet residential area. I have also been able to successfully reconcile “me time" with everything else: the main relievers are 1) my own room with a balcony towards a peaceful terrace/garden of another house in the back; 2) the friendly and respectful-of-other’s-space flat mate; 3) the weekend getaways; 4) the entire group and the different activities that we're doing together; and, last but not least, 5) the extraordinary people of the organization that I came to support.
And, like that, India surprised me.