Andaram me perguntando o que aconteceu com o blog.
Pois é, justo agora no auge da jornada, cheguei no Nepal e parei de postar. Bom, resolvi mudar isso e escrevi esse post numa tcada só. Vamos lá:
Cheguei ao Nepal no dia 26/01 de noite. Não deu para ver muita coisa pois Kathmandu estava inteira sem luz, aliás logo aprendi que isso é uma realidade para os nepaleses, eles passam a maior parte do dia sem energia. São 2 cortes por dia em diferentes horários de acordo com a região e todos sabem em que horário isso irá acontecer. Me instalei no meu quarto e resolvi dormir já que estava muito cansado e tinha trazido algum souvenir da índia na minha barriga que estava me deixando indisposto.
No dia seguinte levantei tarde, ainda indisposto mas resolvi sair para encarar Kathmandu. Fui tentando prestar muita atenção no caminho para saber voltar, acho que as ruas não possuem placas com nome, mas se possuem está em nepales e eu não consigo identificar no meio de tanta propaganda. Resolvi seguir uma mulher que estava entrando num beco que na verdade era uma passagem para algum lugar. Quando me dei conta estava em Thamel, que parece um bairro construído para os turistas com tudo que o turista precisa, bares, restaurantes, hotéis, farmácias, supermercados e claro muita lojinha de tudo o que você pode imaginar. A poluição visual te cega no primeiro instante, são tantos estímulos que nada se destaca. Mais uma vez prestei o máximo de atenção no meu caminho mas sabia que seria inevitável me perder um pouco.
Andei até que encontrei uma padaria com uma cara bastante ocidental, foi lá onde vi pela primeira vez o senhor com cara de Dalai Lama cantando Rihana. Tomei meu café da manhã e segui rodando até que finalmente me perdi muito. Abri o mapa do iphone e depois de muito esforço consegui voltar para o local onde estava hospedado.
Fiquei com uma impressão bastante positiva. Os nepaleses são simpáticos, bem humorados e sorridentes. O fato de encontrar diversos tipos de comida também me alegrou, depois de tantos dias na Ásia e alguns contratempos digestivos, é bom saber que tenho opções.
Meus próximos dias não seriam muito diferentes. Eu escolhia de manhã alguns lugares para conhecer e depois passava um bom tempo tentando chegar lá. Com o passar dos dias chegaram alguns outros voluntários até que no dia 31/01 estavam quase todos aqui. Jantamos juntos nesse dia e no dia seguinte fomos para uma vila chama Chitlang para fazer uma integração e receber a orientação. Quando voltamos para Kathmandu recebemos o lugar onde ficaríamos alocados. O meu era em Kathmandu mesmo.
INÍCIO DO TRABALHO VOLUNTÁRIO
Meu primeiro dia no orfanato começou muito bem, as crianças curiosas gargalhavam só de serem notadas. Todas me receberam da forma mais tradicional, com as mãos juntas em frente ao peito dizendo namaste, algo tão comum para eles mas que me deixou abobalhado.
Fui conhecer a diretora do orfanato, uma nepalesa que aparenta ter bem menos idade do que realmente tem. Mulher de fala firme e pensamento ágil. Já viajou o mundo defendendo sua causa, esteve inclusive no Brasil e claro que arriscou um pouco de português comigo.
Estavámos na sala dois funcionários da ong que foram nos apresentar, a diretora, o Cory e eu de voluntários. Ela intercalava o nepalês com o inglês constantemente para falar com os funcionários da ong na língua local embora todos falem inglês fluentemente. Ficou claro que quando eles se isolavam no nepalês estavam falando algo que nós não podíamos entender. A situação começou a ficar um pouco incomoda até pq eles percebiam que não estávamos nada confortáveis com aquilo e mesmo assim continuavam falando de nós. Quanto finamente pararam de falar nepalês ficou no ar a sensação de que eles tinham combinado o discurso entre eles e agora iriam nos repassar em inglês. E foi logo na primeira frase dela que eu senti que as coisas não iriam caminhar como eu havia pensado. Ela disse:
-Bom, vocês não podem nunca falar que são voluntários. Se alguém perguntar vão ter que falar que estão aqui só para ajudar um pouco. O governo não quer voluntários estrangeiros nos orfanatos então com o visto de turista vocês não poderiam estar aqui.
Cory e eu nos olhamos e parece que combinamos que iríamos concordar com tudo e depois discutiríamos o que fazer. Ela continuou repetindo isso e dizendo que iria procurar algumas atividades que nos ocupassem. Como o orfanato era de crianças cujos pais estão no presídio, ela iria nos levar no presidio também. Começou a listar alguns lugares onde poderia nos levar, disse que a gente poderia ajudar com a limpeza, arrumar alguns computadores entre outras coisas, se sobrasse algum tempo talvez pudéssemos ficar com as crianças.
A crianças logo saíram para a escola, nós preenchemos um formulário com nossas informações e ela nos disse que poderíamos voltar só de tarde depois das 16h. De tarde nós voltamos, conversamos mais um pouco com ela, ela nos explicou melhor sobre o projeto, as crianças se apresentaram, algumas cantaram e ficou por isso mesmo. No dia seguinte nós deveríamos estar de volta no final da tarde.
Cory e eu conversamos e ficamos de falar com o coordenador da ONG. No dia seguinte encontrei com a Ari, uma brasileir que conheci aqui, no lobby da minha guesthouse. Ela já tinha ido embora dali pois o orfanato dela ficava um pouco afastado então fiquei surpreso com o encontro. Ela me disse que estava ali para conversar com o coordenador pois estava bastante descontente também com o que havia encontrado.
Ela ligou para ele e ele veio nos encontrar. Explicamos o que estava acontecendo e só então ficamos sabendo que de fato estrangeiro não pode ser voluntário com visto de turista pois há algum tempo algum orfanato teve problemas com alguns voluntários, desde então o governo mudou a regulamentação. Ele também nos disse que em qualquer outro orfanato encontraríamos a mesma situação.
Ficamos um pouco sem reação mas logo todos concordamos que estávamos aqui para interagir com as crianças e se isso não fosse possível o programa não faria sentido. Pedimos o reembolso das taxas que haviam sido pagas e ele concordou em devolver.
E assim o programa de voluntário internacional no Nepal se deu por CANCELADO para mim!
A DURA REALIDADE DO VOLUNTARIADO INTERNACIONAL
Mais tarde, começamos a conversar, ligar os pontos e tudo passou a fazer muito sentido. Descobrimos que infelizmente algumas das crianças que estão em alguns orfanatos do Nepal, sequer são orfãs. Os pais deixam as crianças no orfanato em troca de uma mesada, assim o orfanato fica cheio de crianças para compor o circo do voluntariado internacional. É como se fosse um teatro armado para os voluntários e por trás disso tudo existe muito dinheiro envolvido.
O voluntariado internacional na maioria das vezes não passa de uma jogada turística para atrair jovens de países desenvolvidos que ao invés de ansiar pela experiência do High School nos EUA como nós brasileiros por exemplo, mal podem esperar para usar o voluntariado num país subdesenvolvido como desculpa para fugir dos olhos dos pais e abusar do que julgam ser um lugar totalmente sem regras para encher a cara e experimentar tudo o que encontram pela frente. Como 98% do público dos voluntários são esses jovens, o produto foi moldado para tal. Então o trabalho voluntário em si se resume a uma ou duas horas por dia lavando louça ou sei lá o que, e o resto do dia eles aproveitam para passear pouco se importando com a pouca ou quase nenhuma interação com as crianças.
Achei uma pena isso tudo mas para mim ficou claro, se quero ajudar, não preciso atravessar o mundo. Sempre tem alguém precisando de ajuda por perto.
Ah, já ia esquecendo. Mais um ponto pra Ásia. Peguei uma bactéria que me deixou na cama quase a semana inteira. Perdi fácil uns 2Kgs dessa vez.
Aguardem as cenas dos próximos capítulos.........