Um mundo à parte em Tana Toraja
INDONESIA | Tuesday, 10 June 2014 | Views [601] | Comments [4]
Arrozais em Tana Toraja
Região de Tana Toraja- Ilha de Sulawesi- Indonésia
Ainda na companhia de Pablo e Karina, voamos para Sulawesi, uma das ilhas ao norte da Indonésia, e nos preparamos para em seguida viajar a noite inteira de ônibus para a região de montanhas no centro da ilha, chamada de Tana Toraja. Tivemos a grata surpresa de encontrar o ônibus-leito mais confortável das nossas vidas, que nunca podíamos esperar nesse fim de mundo, e assim pudemos dormir apesar da estrada cheia de buracos e curvas!
Poucos turistas aparecem por aqui, pois realmente é bem distante das ilhas mais badaladas da Indonésia. Entretanto aqui está uma cultura única no mundo e que se mantem viva, com um relacionamento com a morte bem peculiar, além de construções surpreendentes.
Para podermos desfrutar bastante contratamos um guia, Agus e nos hospedamos em sua casa em Rantepao. Assim convivemos com sua esposa e seus dois filhos, crianças adoráveis e curiosas, que não nos deixavam sossegar. O jantar servido no chão enquanto brincávamos com as crianças e o café da manhã com mingau de arroz salgado e doces feitos de arroz verde foram momentos muito agradáveis e saborosos.
As casas típicas tem formato de barco, todas voltadas para a mesma direção. Dizem ser uma homenagem aos antepassados que chegaram à ilha em barcos. Consideram uma determinada montanha sagrada e por isso as casas são construídas nesta direção.
Em Sulawesi predomina o islamismo, mas em Tana Toraja predomina a religião católica, misturada com as crenças antigas, especialmente em relação à morte e sua celebração. Hoje em dia há um enorme Cristo Redentor no alto da montanha sagrada.
Eles dão muito valor à família e muito respeito aos idosos. Quando alguém morre, o corpo é mumificado com formol e fica no caixão no seu próprio quarto, dentro da casa, até que seja feita a cerimonia do funeral, que pode ser até 2 anos depois! Enquanto isso cuidam do defunto como se estivesse apenas doente e inclusive levam todas as refeições para ele. Marcam a data para o funeral dando o tempo necessário para que toda a família possa vir para a cerimonia, mesmo os que moram muito longe, para que assim possam se despedir e ver pela última vez seu ente querido. A morte é a oportunidade que a família inteira tem de se reunir. Constroem casas-barcos temporárias e vários bangalôs numa área bem grande, onde a família, amigos e pessoas importantes da região passarão em torno de 5 dias em confraternização.
Pudemos participar logo no primeiro dia de um exótico funeral destes. Como todos os convidados, levamos presentes para a família e fomos muito bem recebidos. Sentamos na tenda da família e nos serviram café com bolo e biscoitos. Assistimos danças típicas, tomamos chá em outra tenda com mulheres e crianças.
A tradição é sacrificar búfalos e porcos durante a cerimônia, que serão servidos durante a ‘festa’. Quanto melhor a condição financeira da família, mais animais são sacrificados. As famílias guardam dinheiro durante toda a vida para organizar tudo isso. Mataram 2 búfalos e alguns porcos na nossa frente, e foi bem impactante ver como eles matam e em seguida esquartejam os animais. Quando cortaram a garganta do segundo, ele saiu correndo enfurecido em nossa direção! Um baita susto! E lá estavam outros 6 búfalos e vários porcos que seriam mortos durante os demais dias, sinal que a família era muito rica. Um locutor ficava num palanque onde está o caixão narrando todos os acontecimentos, com muita animação. Mais parece uma festa de vaquejada. E pura sorte ter uma cerimonia dessa enquanto estávamos lá.
No meio do pátio estava uma escultura da senhora morta, em tamanho natural, que posteriormente seria posicionada no local definitivo do corpo.
Que local definitivo? Toda a região tem pedras enormes, onde são escavadas salas de geralmente 3x2 metros, com apenas uma portinha para fora. Lá são colocados os caixões com os corpos da família, e constroem pequenas varandas de madeira para colocar as esculturas. Então o visual é de pedras enormes cheias de portinhas e esculturas, que eles chamam de ‘hotel da vida eterna”. Muito doido!
E quando a família não tem dinheiro suficiente para tudo isso, simplesmente deixam o corpo mumificado enrolado num pano ao lado da pedra. Se um dia tiverem condições podem retirar os resto dali. Os bebês mortos são colocados dentro de troncos de árvores desde que não tenham dentes ainda, porque então são considerados anjos.
Fizemos 3 dias de trekking pelos pequenos vilarejos e enormes plantações de arroz. Assim pudemos apreciar as casas-barcos e nos hospedar nelas, junto às famílias. Numa das noites havia um senhor morto na casa ao lado há 4 meses, e o enterro seria dali outros 6. Entramos para visita-lo e estava muito bem aparentado, em ótimo estado, sem nenhum cheiro, nem de formol. Sua esposa, uma velhinha muito sorridente, dorme no mesmo quarto e todas as manhãs coloca óculos escuros nele.
OsTrekkings eram bem pesados, com alguns trechos bastante radicais. Tive que me superar andando no beiral dos arrozais, onde qualquer escorregão me lançaria metros abaixo e dentro da lama. Sempre chovia a noite e estava tudo muito escorregadio. Mas belos visuais e absoluta paz. Nos alimentávamos como o povo local: arroz e frango no café, almoço e jantar. Teve um dia que variou: o café da manhã foi café com batata cozida e banana. Dias puxados, com subidas e descidas bem difíceis, mas muita felicidade e ótimo astral.
Encontramos um velhinho que trabalhava dentro da pedra cavando seu próprio quarto no “hotel da vida eterna”. Com um enorme sorriso e muito orgulho de estar construindo seu futuro!
Outra velhinha estava torrando o café que havia colhido e fez questão de nos dar um pouco. O guia disse que seria uma ofensa se tentássemos pagar, e tomamos o melhor e mais puro café das nossas vidas nesta tarde.
No fim desses dias, já de volta a casa de Agus, fomos presenteados com um quadrinho como o mesmo símbolo que ele tem na frente da sua casa. Esse simples presente foi para nós muito significativo, pois Agus disse que assim somos uma nova família. Que responsabilidade!
Experiências inesquecíveis!