Galegos por aí

Entramos nas montanhas do Sri Lanka através de Kandy, uma simpática cidade com um belo lago, clima bem fresco e céu geralmente nublado. A grande atração da cidade: O Templo da Relíquia do Dente do Buda. Isso mesmo. Pensava em esquecer os dentes por um tempo e dou de cara com essa! Diz a lenda que quando Buda foi cremado restou um dente inteiro que foi guardado como relíquia e foi muito disputado durante séculos, pois acreditavam que quem o guardasse teria poder. Vários reis construíram diversos templos para essa relíquia, e vimos as ruínas de alguns ‘Templos do Dente’ nas cidades históricas, mas agora ele está aqui em Kandy. Há um ritual seríssimo diariamente no Templo e sempre centenas de pessoas visitando para reverenciá-lo, trazer oferendas e rezar. Dizem que ao menos uma vez na vida os budistas devem fazer uma peregrinação até aqui. Enfrentamos uma fila enorme para passar em frente da relíquia, mas na verdade não se vê o dente. Está dentro de um pote de ouro que contem vários outros potes menores dentro, e no menor está guardado o dente. Acredite quem quiser!

Engraçado, pois já estive em diversos países budistas, sempre os vejo reverenciando a imagem do Buda, mas estranhei aqui no Sri Lanka essa devoção a objetos sagrados, como a árvore em Anuradhapura e o dente aqui em Kandy. Um templo rico, cheio de pinturas, imagens e objetos em ouro. Sei não, acho que Buda pensa que as pessoas não entenderam nada do que ele ensinou.

Em kandy passamos um dia super agradável no Jardim Botânico. Um parque lindo, gigantesco, com áreas de orquídeas (algumas bem exóticas), palmeiras, árvores seculares, diversas qualidades de gramados, ervas medicinais, enfim, pudemos ver toda a riqueza e similaridade com nosso país das plantas daqui. Nesta cidade também tivemos momentos bem agradáveis na nossa Guest House, cuja proprietária é uma senhora budista encantadora, e onde conhecemos outros viajantes bem bacanas. Os cafés da manhã foram bem divertidos, pois éramos observados através da janela de vidro da sala de jantar por muitos macacos. E não eram saguis, eram macacos grandes. Alguns se sentavam no beiral da janela e ficavam de olho na comida. Não haviam gatos nos telhados, mas muitos macacos, e certo dia havia em torno de 40!!!

Então decidimos ir mais alto, pois queríamos subir o Adam’s Peak, ou melhor, o pico do Adão. Pegamos mais um trem lotado para Hatton, uma cidadezinha caótica. De lá pegamos um ônibus para Nalletane, um vilarejo minúsculo. E assim subimos as montanhas mais altas do país, com belos visuais das plantações do chá mais famoso do mundo, o chá do Ceilão.

Uma caso no trem. Ficamos  em pé perto de uma família que  tinha alguns sentados e outros em pé.  Depois de pouco tempo nos ofereceram para sentar, mesmo alguns deles ainda em pé. Isso me fez refletir. Na nossa cultura dificilmente daríamos lugar a uns ‘gringos ricos’ ao invés de dar lugar para os nossos parentes. Eles são de uma generosidade incrível! Vimos isso diversas vezes e também com outras pessoas da região, ou seja, não se tratava de uma gentileza só voltada para os estrangeiros. Claro que passado um tempo fizemos o mesmo, e fomos nos revezando com eles a viagem toda. Essa família tinha muçulmanos e católicos, e houve um momento que me sentei ao lado da senhora mais velha, que rezava o terço. Me ofereceu pedaços de frutas que compraram e que para minha surpresa eram goiabas com sal!

A viagem de ônibus foi show! Uma estradinha estreita muito perigosa em que mal cabia o ônibus, e que serpenteava pelas montanhas e plantações de chá. Pura adrenalina.

Acordamos de madrugada e 3:15 começamos a subida para o Adam’s  Peak. Uns dizem que foi o primeiro lugar que Adão pisou quando foi expulso do paraíso. Os budistas dizem que lá está uma pegada de Sidharta Gautama, o Buda. O hinduístas falam que é uma montanha sagrada. Enfim, mais um local de peregrinação ecumênica. São 5300 degraus! Muitos turistas malucos como nós, porque é longe prá dedéu e de difícil acesso, mas também muitas pessoas fazendo a subida com muita fé e devoção. Muitos descalços, alguns com problemas físicos e muitos idosos. Eu contei muitos degraus e tenho certeza que são muito mais que 5300!

Levamos 3 horas para subir e 2 para descer. Quando chegamos ao cume estava amanhecendo. Os turistas esperam o sol nascer e caem fora porque é muito frio.  Mas nós ficamos porque acontece então uma cerimônia muito bonita, com muitos cânticos e mantras. Um momento de meditação e imersão na paz e boa energia daquelas pessoas que estavam ali por pura fé, não por curiosidade ou esporte. Foi um dos momentos mais prazeirosos da viagem. Voltamos para Hatton de tuk tuk, e foi mais uma viagem divertida com o Adam’s Peak Express (sim, esse era o nome do tuk tuk)!

Estava tão bom que resolvemos subir ainda mais as montanhas para apreciar o visual e chegamos numa cidade chamada Haputale. Uma geladeira inesperada: 10 graus ! Mal nos hospedamos e decidimos cair fora dali urgente. Não queríamos mais nem conhecer a fábrica de chá, só queríamos sair do frio!

E assim fomos passar os últimos dias do ano na praia.

Tangalle. Medaketya Beach. Tudo de bom: praia com coqueiros, pousadinha de frente para o mar, calor. Um lugarejo tranquilo, com uma única rua bem estreitinha: de um lado o mar, do outro as pousadinhas. Só gringos. Astral de bichos-grilos. Ginger Beer para celebrar: cerveja de gengibre sem álcool que é exclusividade do Sri Lanka e é uma delícia! Passamos vários dias nas praias de Tangalle e depois de Hikkaduwa. São quilômetros sem fim de praias estreitas, às vezes margeadas pela estrada ou linha de trem, e muito parecidas com as praias mais desertas do nordeste, com água do mar bem quentinha e muito pontos bons para mergulhar.

E como a vida está muito tranquila, a “insustentável leveza do ser” pede mudanças. Está na hora de deixar o Sri Lanka e partir para a Índia.