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Galegos por aí

Um Salve para oTimor- Leste

TIMOR-LESTE | Wednesday, 2 July 2014 | Views [426]

O mano Osmundo

O mano Osmundo

A história da nossa visita ao Timor-Leste começa com Osmundo, um paraibano que morava em Campo Grande quando resolveu ser missionário e sair pela primeira vez do Brasil, indo direto para o Timor, sem falar nada em qualquer outra língua senão o português, enfrentando sozinho seu primeiro vôo e várias conexões internacionais para ir para do outro lado do mundo.

O conhecemos numa longa fila na imigração quando estávamos chegando à Indonésia, em Bali.  Conhecê-lo fez valer a longa espera pois passamos mais de duas horas na fila . Mais três da manhã fomos os últimos a deixar o aeroporto pois não conseguíamos parar de conversar. Ele nos explicou bastante sobre o Timor-Leste, sobre sua vida e atividades. Tínhamos planos de visitar o Timor e Osmundo acabou por nos dar seus contatos e por insistir que o procurássemos. Ficamos bem impressionados com tudo que nos contou, e isso aumentou ainda mais nossa vontade de viajar para lá.

 Durante a estadia na Indonésia pesquisei um pouco sobre o país e encontrei passagens caras, pouquíssimas atrações turísticas e guerra civil sangrenta bem recente. Definitivamente o Timor não está na rota dos mochileiros e não nos pareceu tão atraente. Mas tinha o Osmundo e sua história. E uma das raras oportunidades de conhecer um país através de alguém que vive lá.

E não é que Osmundo nos buscou no aeroporto e nos hospedou na sua casa? Esse rapaz generoso, alegre e de coração puro nos ajudou a romper preconceitos que nem sabíamos que tínhamos.

Dili, a capital, é uma cidade poeirenta e com poucos atrativos, com taxis que circulam numa velocidade inacreditável: 20 km/hora! O povo tem características físicas bem diferentes dos países da Ásia: são mais escuros, com cabelos crespos e olhos bem grandes. Tem aspecto primitivo, parecendo duros e sofridos. O português é a língua oficial, mas é pouco falado, sendo o Tetum a língua mais popular. A economia é dolarizada e tudo é muito caro, já que tudo é importado. Há uma escassez tremenda de produtos básicos, mesmo nas melhores lojas, com pouca variedade até de alimentos.

Estranho aqui, embora um pouco parecido com Tana Toraja na Indonésia, é que eles celebram a morte com festas e banquetes, gastando tudo o que não podem. Fazem uma festa no enterro, outras em uma semana, um mês e um ano, e entretanto nunca comemoram os aniversários. Normalmente as pessoas nem sabem o dia em que nasceram.

O povo ainda é muito marcado pelas guerras recentes. A da independência terminou em 1999 e quando os soldados sob bandeira da ONU entraram em Díli encontraram um país totalmente incendiado e devastado. Grande parte da infraestrutura doTimor-Leste havia sido destruída e o país estava quase totalmente devastado. Hoje todos têm familiares que foram massacradas e que passaram muita fome. Depois disso, em 2006, houve uma violenta guerra civil. Ficamos impressionados pois isso tudo aconteceu ontem mesmo,  diante da nosso mundo dito civilizado.

 Osmundo e seu irmão pastor são evangélicos e trabalham nas montanhas, num vilarejo há aproximadamente 40 km de Dili, quase uma hora e meia de carro. Nas montanhas vive parte da população, que por lá se escondeu durante a guerra civil e acabou por se adaptar. Vivem em cabanas, sem a menor infraestrutura, como se fossem índios. A Missão coordenada por eles, com muito tato para não agredir a cultura local, procura melhorar as condições de vida do povo, principalmente de higiene e moradia, além de ensinar o português, para possibilitar um acesso melhor aos empregos nas cidades. E mais importante: levam a palavra de Deus e assim, um pouco mais de conforto e esperança.

Conhecemos vários amigos do Osmundo, missionários que trabalham em ONGs diversas. Jovens alegres e divertidos, que renunciaram ao conforto da vida no Brasil para ajudar o próximo num país tão distante e com tantas dificuldades. Curiosos sobre nossas viagens e culturas dos outros países, são pessoas abertas para adquirir novos conhecimentos e encaram as diferenças sem preconceito.  Por pura ignorância sempre pensei que os missionários eram religiosos radicais e bitolados, e foi com surpresa que nos divertimos a valer com eles.

Passamos horas conversando sobre a história do Timor Leste e Xanana Gusmão, o guerrilheiro e principal líder político do país. Aprendemos  muito sobre a cultura local.

As mulheres ainda hoje são desvalorizadas e tratadas como mercadoria. O dote, conhecido como barlaque, foi proibido por lei recente, mas ainda é praticado na maior parte do país, principalmente no interior. Uma mulher vale em torno de 10 bois, mas dependendo do nível cultural e habilidades podem valer mais. Os pais e tios são proprietários das mulheres até o casamento ou até que todo o dote seja pago. Por isso é muito comum o abuso sexual de jovens e crianças.

É aí onde entra a Ong Casa Vida, um dos projetos mais bacanas que conhecemos, que protege, ampara e cuida de meninas que são abusadas. À frente está Simone, uma brasileira incansável, que se mudou para o Timor com marido e filhos pequenos em plena guerra civil, disposta a ajudar as meninas que são violentadas. Conversar com a Simone é uma aula de compaixão, desprendimento e solidariedade.

Foram dias de muitas estórias e risadas, e de muitas orações. Compartilhamos opiniões sobre diversas culturas e religiões. Convivemos  com exemplos de seres humanos que com muita alegria e humildade dedicam sua vida para cuidar dos outros e tornar nosso mundo melhor. Senti-me com mais esperança na humanidade.

Além de todas essas experiências em Dili percorremos grande parte do país de carro. Viajamos pelas montanhas e litoral, através de estradas muito precárias e estreitas. Não encontramos a beleza natural que esperávamos, mas depois da Indonésia tudo é covardia. Praias com águas claras e muitas pedras, que parecem ótimas para mergulhar, mas sem gente se banhando. Achamos estranho, pois se há população a beira mar e as crianças não estão na água... aí tem! E dizem que tem mesmo: crocodilos!  Afinal está relativamente perto da Austrália. Obviamente não arriscamos.

Mas nos deliciamos com as crianças que gritavam e acenavam quando nos viam. Malai, malai! (estrangeiros), elas gritavam até que acenássemos em resposta. Para elas somos criaturas de outro mundo. E acho que som os mesmo.

E a grande aventura foi a viagem à ilha de Jaco. Haviam nos falado que é o lugar mais lindo do Timor-Leste, mas que a estrada é um desafio só para os mais aventureiros. Isso nos atiçou a curiosidade e encaramos mais de oito horas de estradas muito perigosas e belos visuais. Nos oito quilômetros finais, a parte mais dura: uma descida de 8 km. Só não imaginávamos que a estrada havia quase desaparecido, e pior ainda, impossível retornar. Era uma descida de pedras soltas enormes, quase totalmente tomada pelo mato fechado e que mal conseguimos descer.  Stress total. Eu só pensava em como iríamos subir. Para piorar, logo chegamos ao final da descida começou a chover e nosso celular não funcionava. O galego diz que nunca me viu tão apavorada.

Mas fomos muito bem recebidos na única pousada local por um grupo de pescadores, que tem uma cooperativa para administrá-la. Naquele mês somente uma turista havia se hospedado lá, e apesar disso as cabanas estavam muito limpas e bem cuidadas. O serviço era simples, mas tudo feito com esmero de hotel de primeira categoria. Fomos tratados com uma delicadeza e gentileza que vimos em poucos lugares, o que nos surpreendeu muito.

Não pudemos atravessar o mar para conhecer a ilha de Jaco que estava a poucos metros porque choveu a noite inteira e ainda chovia um pouco quando amanheceu. Mas Mario, o coordenador da cooperativa, foi muito prestativo e nos acompanhou durante a subida para nos ajudar se fosse preciso. Não posso descrever como foi que conseguimos subir, pois agarrei o meu terço, fechei os olhos e rezei a subida inteira, só sentindo os solavancos. Nosso herói Mario era um homem pequeno, simples, de fala mansa e tranquila, cujos olhos resplandeciam dedicação. Recusou terminantemente qualquer recompensa, e só aceitou quando eu disse que era uma colaboração para a cooperativa.

Com o não nos encantar por um país assim?

Um dos lugares menos atraentes que visitamos, entretanto um dos que mais gostamos. Fizemos ótimas amizades e modificamos conceitos. Isso é o melhor que há por aí! Salve mano Osmundo!

 

 
 

 

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